domingo, 6 de setembro de 2009

“Publico para livrar-me de ter que corrigir”

Tribuna do Norte, 06/09/2009

Ronaldo Correia de Brito nasceu no Ceará e mora em Recife. É médico e escritor. Autor dos livros de contos As Noites e os Dias (1997), editado pela Bagaço, Faca (2003), Livro dos Homens (2005), e a novela infanto-juvenil O Pavão Misterioso (2004), todos publicados pela Cosac Naify. No ano passado lançou o romance Galiléia, editado pela Alfaguara. Dramaturgo, é autor das peças Baile do Menino Deus, Bandeira de São João e Arlequim. Escreveu durante sete anos para a coluna Entremez, da revista Continente Multicultural, e atualmente assina uma coluna semanal na revista Terra Magazine, do Portal Terra. Este ano venceu o Prêmio São Paulo de Literatura, no valor de R$200 mil, ao lado do escritor gaúcho Altair Martins. No final do mês (dia 25 de setembro), o escritor estará em uma das mesas do Festival Literário de Pipa – Flipa. Como um escritor nordestino consegue fazer ouvir sua voz no eixo Rio-São Paulo? Ronaldo Correia de Brito - Eu imagino que só existe um meio: escrevendo bem.Seus livros falam do sertão, mas também do conflito entre o arcaico e a globalização. Você não teme o rótulo do regionalismo, já que você considera o termo um palavrão? Já não existe regionalismo como escola literária, apenas como referência geográfica. Insistir no regionalismo como modelo ou movimento artístico é falta de imaginação.Como você concilia o erudito e o popular? A cultura nordestina faz esse link com muita propriedade. E não são apenas os artistas autoproclamados eruditos que conseguem essa proeza.Escritores devem começar a publicar ainda na juventude ou esperar pela meia-idade como você fez? Acho que devem publicar quando acharem que os seus textos estão prontos. Eu demorei muito porque sempre via o que melhorar e corrigir. Como o argentino Jorge Luis Borges, publico para livrar-me de ter de corrigir.Como é a sua relação com o teatro? Minha prosa é bastante teatralizada. Eu costumo transformar meus contos em peças de teatro e vice-versa. Gosto de trabalhar com atores, escrever por encomenda. Enceno pelo menos um espetáculo por ano. Trabalhar na frente de um computador é muito solitário; com os atores é mais animado. Nunca se escreveu tanto e se publicou tanto no Brasil. Como é que se pode separar o joio do trigo de toda essa produção literária? Em todas as épocas se escreveram coisas boas e ruins. Cervantes escreveu Dom Quixote para execrar os péssimos romances de cavalaria produzidos no seu tempo e que eram bem populares. Você lembra de algum desses milhares de romances? Certamente não. Sobreviveu o Dom Quixote, que é bom. Não há o que temer. Vamos deixar as pessoas escreverem o que quiserem.Em Natal existe uma máxima que diz que em cada esquina tem um poeta. Você estenderia esta máxima para o resto do Brasil ampliando de poetas para escritores? Sim, tem muita gente escrevendo. Mesmo assim ainda somos um país de analfabetos.Você acha que a internet possibilita o surgimento de novos autores ou não passa de diluição? É claro que possibilita. Não é possível pensar apenas no objeto livro, como meio de escrita e leitura. A internet nos obriga ao exercício de algumas das Seis propostas para o próximo milênio, de Ítalo Calvino: rapidez, multiplicidade, visibilidade. Desde que passei a escrever para uma revista da net, a Terra Magazine, me sinto mais corajoso, mais ousado e ágil. Acho que me beneficiei bastante.A morte é algo muito presente em sua literatura. Como falar de algo tão tabu para a maioria das pessoas e ainda conseguir que elas gostem? Sem o tema da morte não existiria literatura. Sherazade narra para vencer a condenação à morte e manter-se viva. Nada é mais real e simbólico do que a morte. Um tema inesgotável. O Brasil agora é fecundo em feiras literárias. O que você acha de encontros como estes? São ótimos porque ajudam a tirar a aura sobrenatural da literatura e dos livros. Os livros são objetos de consumo, devem concorrer no mercado com os cremes de pele, os alisantes de cabelo, os celulares e os relógios. É preciso fazer a escolha entre comprar um livro ou tomar dez cervejas no final de semana. Eu sempre preferi comprar livros. Precisamos convencer mais pessoas de que essa opção é a melhor. As feiras ajudam a aliciar leitores e a mostrar os livros como objetos de sedução.

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